31.10.08

Filminho de sexta



Xeque-mate.

Dialoguinho

Todas as coisas têm andado de carro?
Não, não. A cabeça vai ao vento, como sempre.
no tempo não tem pó nem tem pão; só tempo tem não;
no porão do tempo
temporão
tem porão.

30.10.08

Instante da estante

LEMINSKI, Paulo. Os melhores poemas de Paulo Leminski (seleção). São Paulo: Global, 2002.
Do amor, andou pelos ares.
Da barriga, brotou um bebê.
Do cárcere, colecionou causos.
Do debate, desafiou Deus.
Da escola, escolheu um enigma.
Do fim, forjou as flores.
Do gramado, germinaram gérberas.
Do hoje, houve hiatos.
Do início, indicou istmos.
Da janela, jogou janotas.
Do lugar, legou lições.
Do meio, marcou o mundo.
Do nada, nivelou nãos.
Do orvalho, ousou ao outro.
Do problema, produziu poemas.
Da quitanda, quis quiabos.
Do rei, roeu a roupa.
Do sonho, sentiu saudades.
Do tempo, teve tédio.
Da úlcera, untou os uis.
Da viagem, ventou vísceras.
Do xis, xuaxalhou sobre xiriricas.
Do zunido, zebrou o zupt.

maçarico

seu olhar era macônico
manicômico
maneta
como se um sorriso
molhasse
me olhasse
assim.

só olhar era maçante
maniçante
mônico
como se ser sorriso
melasse
molhasse
em mim.

29.10.08

Eu-externo

O eu-externo vai se apoderando do eu-interno, que de lírico não conta mais nada. Aritmético. Fleumático. Paradigmático. Enfermo. Feito um pigmeu ensimesmado, saltito tristemente. Passo por lugares-comuns e incomuns, falo frases-feitas e outras por fazer, sussurro à boca-pequena e também às maiores.

O eu-externo vai virar eu-interno e eu transmutar-me-ei por dentro. Alimento.

Um quadro às quartas

Maria-fumaça, 2005
Obra de Luis André Frade (1965- )

28.10.08

Terça sonora



"I thought the world of you"

27.10.08

melhoragora
maisuma
sempretem
assimesmo
tábom
comoassim
nãossei

Para começar a semana

"O livro pode não ser o melhor amigo, mas é o amigo indispensável."

26.10.08

Domingo, foto

Luanda, 2008
Clique de David Braga (1980- )

25.10.08

Só que se a chuva não fosse nada disso, se resumisse àquela idéia física de que o ciclo da água é algo natural e normal, sem nenhuma possibilidade dos desvarios seus serem realidade, então é que ela teria descoberto mesmo o motivo para se jogar dali do nono andar e virar espírito solto quando cair no meio da rua, atrapalhando o trânsito. Onde estariam então os gnomos? E os sentimentos do mundo? Não! Seria deveras triste para ser verdade: imagine que pacato o mundo intrínseco em reações químicas que tentam em vão explicar a evaporação da água e os fenômenos da chuva que chove. Chove e pronto.
Quais eram os tesouros que compunham a fortuna dos gnomos? Ela tinha certeza, mas não ia contar para ninguém, que eram os sentimentos mais bonitos. E pensava naquela pieguice pueril como seria legal quando os homens resgatassem moedas de Amor, notas de Paz, pérolas de Amizade, pulseiras de Sinceridade, colares magníficos de União, alianças douradas que não simbolizariam a prisão, mas a liberdade...

24.10.08

Ela achava mesmo que era melhor encarar a chuva como um artefato mágico que ajudava as pessoas a se verem melhor. Acabava de descobrir que via a chuva como o que revelaria o nosso próprio sentimento. A chuva quando forma poça é espelho natural para quem não penteia o cabelo. A chuva quando falta é caos total na terra que dependemos da água. A chuva quando tem sol junto ou imediatamente após resulta em arco-íris, um dos mais belos espetáculos que encantam os olhos de quem vê, além de servir de esconderijo para os gnomos de todos os tipos e tamanhos, em cada ponta do arco, com uma arca cheia de tesouros desconhecidos da humanidade.

Filminho de sexta



Clássicos.

23.10.08

E a chuva chovendo devagar a lembrava de idéias de suicídio. Poderia ela pular ali da janela, nono andar, e virar pacote de defunto quando se esbodegasse no chão rude do asfalto? Outro dia leu que as pessoas se matam mais em dias de chuva, que a chuva entristece, que a chuva é um motivo a mais para a morte, que a chuva é mesmo a gota d’água dos problemas, e não inúmeras gotas d’água força vital que move a humanidade. Isso porque as pessoas ainda não haviam descoberto que a chuva só as mataria se se tornasse um fenômeno capaz de matá-las, e sendo que só se tornaria capaz se as próprias pessoas permitissem. Nove andares de ruptura e um abismo entre vida e morte, a maior antítese que refuta os pensamentos da gente. Acho que a chuva ajuda a gente a se ver, é o som que vem do rádio ligado no canto do quarto que cheira aquele aroma gostoso da alma feminina que acaba de despertar.

Tanta coisa não poderia, Maria (singelo poeminha inocente)

Tanta coisa não poderia, Maria
Outra alegoria, uma confusão
Tamanha briga em seu coração
Tanta coisa não poderia, Maria
Hoje, não; hoje, não

Tanta coisa não poderia, Maria
Que desconheço o meu perdão
Tacanha lida brotando do chão
Tanta coisa não poderia, Maria
Hoje, não; hoje não

Tanta coisa não poderia, Maria
Outra alegria, eles jamais virão
Estranho dia, enxotado, cão
Tanta coisa não poderia, Maria
Hoje, não; nunca não.

Instante da estante

PRATA, Liliane. Uma bebida e um amor sem gelo, por favor. São Paulo: Marco Zero, 2006.
Abriu as janelas enfim e, para seu descontento, não topou com um belo sol pronto para condecorar aquela noite maravilhosa. Era chuva chovendo devagar, sem pressa para acabar, como um pássaro doente que se arrasta agonizante esperando a morte chegar e torcendo para que acabe logo sua sina desperdiçada de viver. Mal sabia ela que toda chuva matinal era resultado da tempestade noturna que agonizava as pessoas e a perseguia impiedosamente. Fosse o que fosse, apenas imaginação, e na verdade o que havia era sim, chuva chovendo, só que os pingos, se vistos sem desconfiança, reduziríam-se a meros orvalhos do alvorecer. Blém-blém-blém? De dia o barulho social, a turbulência dos carros e ônibus e aviões e transeuntes conversando atrapalhava a audição e não tinha blém-blém-blém. Na verdade tinha, e ela sabia que tinha, mas fingia que não tinha para não ficar preocupada por não ouvir o blém-blém-blém. Por isso ela preferia mil vezes a noite com seus raios de luar e suas lampadazinhas estrelas ao dia, quando as coisas acontecem e é tão chato acontecerem as coisas.

22.10.08

Ela estava encucada com o dilema crucial de sua vida. Queria tanto se lembrar dos prazeres que tinha gozado enquanto sucumbia em profundo sono. Queria tanto se lembrar que tinha sido poema, nua em verso, feito patética idealização romântica em sua cama quentinha. Quentinha como ela ficava só de pensar no que havia sonhado e não se lembrava mais. Quentinha e com o coração palpitante, toda lábios intumescidos de um frenesi contagiante que irradiava seus olhos de moça. Tentava até simpatias para avivar sua memória e recordar-se dos sonhos, mas como não possuía superstição suficiente em seu âmago, nada adiantava, sequer funcionaria.

Um quadro às quartas

Les Alyscamps, 1888
Obra de Vincent Willem Van Gogh (1853-1890)
Acordou ansiosa para abrir as janelas e procurar pelos sonhos que haviam fugido de sua cabeça durante a noite. Por que será que os pesadelos ficavam vivos na memória enquanto os alegres sonhos de idílios impossíveis e grandes vitórias se perdiam para sempre na moleza do inconsciente? Seriam os sonhos coelhos fugindo rápido pelo emaranhado de campos silvestres que as pessoas têm dentro de suas cabeças? Ou seriam tarefas cumpridas? Então os pesadelos devem ter mesmo esse nome ridículo por causa do peso enorme: são os coelhos gordos, ou grandes ursos que o cérebro sonha por confundi-los com coelhos. Na hora do sol nascente, hora combinada para a fuga, coelhos somem embrenhando-se no mato enquanto os obesos ursos diabéticos não conseguem se perder.

21.10.08

entremeios

azar
é pôr

amor
é mar

amar
é dor.

a menina mais linda que existe
não cabe no poema maior do mundo:

disse o colecionador de verdades
de dentro de sua caixa escura
onde ele mora.

morar
é amor.

morar
é amar.
Enquanto isso, Eva, a garota experimental que fora defenestrada da sala do presidente da ditadura, mantinha suas idéias revolucionárias de uma originalidade estonteante e abusiva:
- Vou criar a antimatéria só pra ver o mundo no avesso, tudo o que era belo será feio, tudo o que era estético será imoral, tudo o que era ético será mortal, tudo o que era vermelho será multicor, numa rosa dos ventos infinita...
- Vou convocar todas as mulheres para que masturbemos o Brasil. Agora entendi como fazer essa coisa crescer. Se o profeta que escreveu o Hino disse “deitado eternamente em berço esplêndido”, com um pouco de excitação a velha Pátria vai se erguer e construir o seu futuro.
- Vou jogar torta na cara de quem vier me encher a paciência. E já estou mandando queimar todos esses livros de gramática que os acadêmicos querem me empurrar goela abaixo. Não tô nem aí...
- Vou queimar todas as plantações de imorangos do mundo. E quando algum político vier doar alimento para os raquíticos que adornam a sociedade capitalista, dou-lhe um safanão: “ensine a pescar ao invés de dar o peixe, seu patético charlatão!”
- Agora estou na internet.
abc.

Terça sonora



"Acabou chorare, ficou tudo lindo
De manhã cedinho, tudo cá cá cá, na fé fé fé
No bu bu li li, no bu bu li lindo
No bu bu bolindo
No bu bu bolindo
No bu bu bolindo"

20.10.08

Para começar a semana

"Não dá para querer que o papel da literatura seja o de mover montanhas. As coisas mudaram. A literatura, no entanto, é uma comunhão de emoções."

Luci Collin (1964- )

19.10.08

Que a terra lhe seja leve (nada nos deixaria, nem mesmo a sua virgem face incolor. Nunca a censuraria por não sanar minhas dúvidas, afinal nem mesmo a inocência e a ignorância revestidas num corpo humano poderiam responder algo que nem mesmo Deus saberia ao certo como acontecia. Isso me engasgava até hoje e sempre me engasgaria feito nó na garganta).

Domingo, foto

Céu de São Paulo, 2008
Clique de Sylvia Masini (1957- )

18.10.08

- Professora, venta no avesso da Lua? Por que o mar não derrama? Quem inventou a pipoca? Quanto tempo tem o infinito? – Era ela, desconcertando a mestra da primeira série, pobrezinha, invariavelmente sem resposta para questões tão intrinsecamente banais. Que será que será dela? Estará viva ainda? Creio que sim, pois dúvidas existenciais duram para sempre. Deve estar bem velhinha, o tempo não tem pena e esbanja nas pessoas a vingança por seu tédio de ser eterno: condena-as à senilidade, em cadeiras de roda ou de balanço, com animais de estimação ou em asilos, fumando cachimbo ou jogando baralho, tomando viagra ou lendo a bíblia, dormindo ou viajando, morrendo ou apodrecendo em leitos hospitalares... Quanto a mim, não. Nada me condenaria, nem mesmo o tempo que nunca vejo passar e quando passa arrasta-se como sereias em mares de lama. Descanso em paz? Aqui jaz a professorinha inocente, responsável por minhas primeiras dúvidas não respondidas, culpada dos meus primeiros dilemas, pela minha paranóia inicial. A professorinha de quem não tive pena, pois poderia perguntar apenas datas e nomes, regras ortográficas e resoluções óbvias da matemática. Mas perguntava questões crucialmente filosóficas.

pra ti cá mente

o que me mais irrita é a tua sinceridez nada espontânea
tua espezinhadeira autônoma
teu máximo alimentrifício amor
que finge não ser
querência

do esquerdo alto de teu saluço
cada simlêncio seja átomo
cada segredo seja póstumo
cada verso seja concreto
para que a junção útil
agradámel permita-me

atende-me

17.10.08

Mas se fosse palavras como sonhariam os analfabetos?, sem essência, sem cor, sem alma, sem jeito... Não! seria egoísmo demais vilipendiar dessa forma os anseios daquela gente estranha que não conhece letras pelo nome. Não bastasse toda a montanha que os separam na sociedade, ainda teriam que ter sonhos chatos, seria demais para a misericórdia ou a ira divina. Ela era piedosa e se conclamava de dó daquela gente humilde e resignada enquanto dormia o turbulento sono. Nua e crua, na cama quentinha... à espera de um calor mais intenso, mesmo efêmero, algo que poderia fortalecê-la eternamente, se a eternidade não fosse uma coisa tão longa que tanto e quanto tempo dura jamais ninguém soube ao certo explicar-lhe.

Filminho de sexta



Leminski, the businessman.

16.10.08

Instante da estante

FERNANDES, Millôr. Que país é este?. Rio de Janeiro: Desiderata, 2006.
Afinal, quem nunca sonhou ser poema? Ela estava absorta nisso, um poema de vidro à beira de abismo que pode se quebrar num leve toque do vento, caindo profundamente e influenciando as futuras gerações. Quem nunca sonhou ser poema? Ela era ela, sentia-se um lindo poema quase perfeito, burilado com carinho pelas mãos do sábio poeta do seu coração. Ela era palavras nuas e cruas, e estava assim aconchegada em sua cama quentinha, toda nua ela, verso e coragem, pensamentos e sonhos, desvarios. Bem sabia, é verdade, que qualquer dia amanheceria e então desperta podia descobrir seu engano de querer ser poema, então se certificava meticulosa que não era tão perfeita como pensava naquele momento. Blém-blém-blém, só o tempo passa quando se pensa e o mundo pára.

Decretos de um dia sem sol

1. Menos nomes e normas normais em manhãs mornais;
2. Sempre sem pressa, chega-se;
3. Sal e sol, demais não;
4. Ensimesmados são assim mesmo;
5. Todo silêncio é um sim-lêncio;
6. À beira do abismo abre-se a beira do abismo;
7. Quanto mais pro fundo, menos em tendo;
8. Quanto mais pro curo, menos em contro;
9. Quanto mais procuro, menos escrevo;
10. Quanto menos escravo, mais detento;
11. Quanto mais quantos, mais chato;
12. Quem coleciona não pode ser colecionado;
13. Menos nomes, menos normais, menos normais, menhos manhãs -- com um copo de gelo, por favor.

palavras

cioso,
coleciono palavras que não ouço
nem peço.

assim mesmo
elas escorregam de mim
em busca do ouça-me
sinta-me
soluça-me.

mesmo que tente
perdê-las,
mesmo que tentado
esteja,
coleciono-as
assim:

são sons
(não só).
são sensações
a sós.

palavras.

15.10.08

Blém-blém-blém, outras vezes, e já era bem mais que meia-noite. Estrelas cintilando ao luar denunciavam a neblina esparsa da madrugada. Quem cai na armadilha do blém-blém-blém? Ela não caía e nada parecia interromper o sono azul que levava incontinenti e perene feito possibilidade de o paradoxo assim puder ser. Aliás, tudo pode quando se é verso de poema, tudo pode quando se sonha, mesmo que pesadelos de granizo interrompam a azuléia serpente das tormentas alegres que circundam as fossas cerebrais em momentos de turbulência intelectual, quando se mergulha no profundo descanso. Descanso, uma ova!, é hora essa que a cabeça trabalha mais, e mais livremente, sem a interferência da pálida zona consciente. Não tinha lido que a relatividade fora descoberta num estampido noturno do sono e sonhos de Albert, o Einstein? Fosse ou não fosse verdade, é de lendas que o homem vive, sobrevive no mundo cruel e casto do consumismo e da esterilidade da imaginação.

Um quadro às quartas

El espolio, 1577/79
Obra de Doménikos Theotokópoulos - "El Greco" (1541-1614)

14.10.08

tem palavras

tem palavras é como se escorregassem as mãos, se perdendo à cabeça tocam os pés arrepiam a alma. tem palavras é como alimento para as borboletas, aquelas que moram no estômago.
um alfaiate de origens costuma estraçalhar os vidros de minha cabeça.

- matar já é demais, sussura uma alface.

- tem gente que passa dos limites.

enquanto isso, dentro do meu travesseiro azul, pedras escorregam e cutucam, cutucam, cutucam. até amanhã. tchau, gente. e depois não digam que eu não avisei, porque eu não avisei mesmo.

Terça sonora



"I know, I can't believe"

13.10.08

Para começar a semana

"A literatura dirigiu meu pensamento, minha forma de ver o mundo. Eu vivo e respiro literatura o tempo inteiro. Quando não estou escrevendo livros meus, estou traduzindo obras de grandes autores."

Lya Fett Luft (1938- )
adoro pessoas que emendam um assunto no outro. principalmente, se os misturam.

12.10.08

de lugares, pessoas, amores

os lugares só funcionam porque existem as pessoas para os valerem a pena. do contrário, apenas seriam lugares, ocos, desprovidos de sentido, insossos, impróprios para o consumo.

mais que lugares, gosto das pessoas. mesmo das que desgosto, é um prazer. só por não ter a indiferença, por ser abstrato, por cimentar o gesto. estou confuso hoje e ontem. o resto são dívidas.

quando estou nos lugares e não vejo pessoas, sinto-me obviamente só. e pior que ser só, é estar só. pior que estar só, é sentir-se óbvio.

obviedades são as piores coisas já inventadas. piores que todas as memórias da ficção. piores que gols perdidos na prorrogação, beijos prometidos e nunca cumpridos, sonhos que somem antes mesmo da gente acordar.

- quero acordar ao seu lado esta manhã.

Domingo, foto

Sobrevivência, 2007
Clique (e obra) de Eduardo Srur (1974- )

11.10.08

Coleções #4

  • Amares;
  • Comeres;
  • Beberes;
  • Dormires;
  • Esquecimentos.
Dois pontos.
Reticências.
Exclamação.

10.10.08

Morte coalhada

Coveiro caolho não se cansa de coalhar a morte.
Repica um sino, outro sino.
No cemitério, cada defunto tem seu lugar,
alguns nem lugares
têm
fora de lá.

Quando a morte é coalhada, vara o pano
que amarra cada um à vida.
É mágica.
Jeito maroto de coveiro caolho reclamar
trabalho.

(Em tempos de crise, crase, cruzes,
desemprego e tanta coisa
que coveiro caolho nem eu
entendemos direito.)

Quando defunto é encomendado,
despachado,
mandado para o fundo,
coveiro caolho faz nome-do-pai
e diz amém.
Pensando no tempo que passa, olhando para trás no hoje que já vira ontem, assim dormiu, sorrindo, sonhando com estrelas de uma nova fábula. Estrelas mais fortes que o Sol, queimando sinos que jamais repicarão de novo. Quem nunca sonhou em ser poema? Ela se via um verso, nua e crua, formando estrofes brancas, algumas coloridas, quem vai perceber? Sonhava que suas palavras compunham o mais belo soneto de amor e que o amor valia a pena mesmo que ninguém acreditasse nisso. Sentia-se forte, coalhava a morte que havia dentro de si como se a calma fosse virtude e bem necessário. E guardava consigo própria essa vontade interior de ser poema, alma nova vibrando em versos... De certo não achava certo dividi-la com mais ninguém, assim a constatariam jamais como desvairada e coisa e tal. Fazia bem parte de seu temperamento misantropo limitado tornar-se uma crente incrédula e por uma momento poderiam transformar suas idéias numa seita antagônica e ela ser julgada pela sociedade como maluca. Isso a deixava amedrontada e reprimida diante dum sentimento tão significativo. E a faria esconder o segredo dentro dos sete buracos da cabeça.

Filminho de sexta



Leminski e a linguagem.
Blém-blém-blém, doze vezes, e num átimo já não era mais meia-noite pois o tempo não pára. E ouvia ela assim, insistentemente, o repicar do sino anunciando o fim de mais um dia, rotina, mesmice. Mas será que o sino existia ou tudo não passava de desvario seu? Pois se sino não havia que é que repicava e repicaria blém-blém-blém quase sem querer? E se fosse o mesmo sino que ela não sabia que existia e repicava perfeito para estender o som da marcha fúnebre às sextas-feiras, pontualmente cinco da manhã? Aliás, não se via capaz de entender o porquê do lúgubre ruído deveras por causa de seu pensamento no som da trombeta anunciando renitente a morte de alguém. Por que isso a lembra da morte dos grandes soldados na guerra, deixando-a triste na vaga lembrança daquele vulnífico tanque de batalha na fazenda do avô? Para que dele lhe servia o avô? Apenas para alimentar as traquinagens dela e seus primos que cometiam afoitos diante do bélico instrumento? O eco do blém-blém-blém não respondia, era só silêncio, e ela audaciosa e melindrosa se encolhia toda na cama quentinha só de pensar nessas bobagens que chegam até a tirar o sono da gente. Afinal, que ia ela de querer com o sino que repica, o vento que chacoalha, a voz que estremece? Investigar o instigante motivo que levaria o sino a trabalhar altas horas da noite, incessante, mesmo que no mesmo instante exato todos dormimos como juliãos descansados? Não, não, apenas uma coisa tinha certeza: ela, e só ela, sabia conversar com estrelas. E sabia que sabia, isso era melhor ainda, pois a consciência a revestia de talento e a fazia umquê mais forte. O resto? Conquista-se, compra-se, vende-se... Falar com estrelas, só ela, mesmo quando no céu não há mais estrelas, mesmo quando é dia e o Sol estrela maior egoísta se sobrepõe às demais e apaga o que não é tão claro como ele. Pois sabia bem até procurá-las na claridez e as encontrava mormente, mesmo aquela que menos brilha, aquela que julga como sendo sua, só sua.

9.10.08

Instante da estante

REY, Marcos. Enigma na televisão. São Paulo: Ática, 1995.

8.10.08

Há pessoas que não respondem e-mails.

Um quadro às quartas

Asno podre, 1928
Obra de Salvador Dalí (1904-1989)

7.10.08

Quaisquer catorze minutos bastam para mudar uma ortografia, uma onomatopéia, uma orquídea ou um otomano. Como aquela velha história do colecionador de ornitorrincos - que todo mundo conhece e eu não vou ficar repetindo. Deu aqueles catorze minutos de estalo e pronto: matou a coleção afogada.

O mundo tem essa coisa. Por ser povoado, é imprevisível. Porque os loucos são todos humanos.

Terça sonora



"Give me love, give me love,
Give me peace on earth"

6.10.08

Para começar a semana

"Chega-se a ser grande por aquilo que se lê e não por aquilo que se escreve."

5.10.08

Domingo, foto

Tio Zué, 2008
Clique de Edison Veiga (1984- )

3.10.08

Filminho de sexta



Sea orchestra.

2.10.08

Instante da estante

VERISSIMO, Erico. Olhai os lírios do campo. Porto Alegre: Globo, 1980.

1.10.08

Um quadro às quartas

Carne de galinha inaugural, 1928
Obra de Salvador Dalí (1904-1989)